Abençoadas transições

Eu gosto de ter dois empregos. Gosto de trabalhar em um deles pela manhã, almoçar, e gosto, igualmente, do outro emprego. O que eu não gosto é de ir para o outro emprego, que fica do outro lado da cidade. O que eu não gosto é de esperar no ponto de ônibus (especialmente nos dias quentes) pra pegar o transporte público lotado e suar enquanto me encaminho para mais seis horas de trabalho. Percebi que não gosto dessa transição. Me cansa. Os dois trabalhos até que não.

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O mais difícil são as transições.

Não é de fato o término do relacionamento, mas o período de transição, que consiste no período entre os dois extremos de ainda estar apaixonado e ter ocupado o coração com um novo amor. A espera. O autocontrole para não mandar mensagens implorando a volta.

Não é o fato de ter se mudado de cidade. Mas o período de transição, que consiste no período entre os dois extremos de não estar adaptado aos nomes das ruas e ser conhecido pelo garçom do bar da esquina da sua casa.

São as transições que complicam tudo, este período entre duas coisas relativamente estáveis. O período que pode ser definido como “ainda-não”. As semanas seguintes que se seguem às perdas: do ser amado, do emprego, do amigo que foi morar na Europa. Por isso é no entardecer que as pessoas relatam sentir as piores angústias, crises de pânico e ataques de ansiedade. Porque o entardecer é a expressão literal da transição: é o quase-noite e ainda-dia. Temos de suportá-lo, diariamente.

Assim como eu escrevo enquanto estou no ônibus, passando pelos mesmos caminhos de sempre, de uma cidade que já conheço (já reparou como nunca enxergamos como novidade um passeio de ônibus dentro da própria cidade?): trânsito. Transitoriedade. Espera em movimento, porque o tempo nunca para.

Contraditoriamente, são nos períodos de transição que a maioria das coisas nascem – nós mesmos nos descobrimos, nos revelamos. “Não pensei que fosse tão forte”, “nunca imaginei que suportaria”, são frases conhecidas, que já dissemos e/ou escutamos em períodos de transição. Tudo isso porque acabamos por notar uma espécie de força interior que nos abriga nesses momentos. Na transição estamos sozinhos, afastados dos milhares de barulhos e demandas do mundo e das pessoas que nos cercam. E é só assim que podemos (nos) escutar.

A transição nos faz olhar pra dentro. Porque temos que prestar atenção na estrada quando nunca estivemos nela antes. Por isso a maioria dos acidentes acontecem em estradas já conhecidas pelos motoristas. Ligamos o piloto automático e tocamos em frente, sem perceber as sensações, sentimentos e palpitações que o nosso coração cansado sofre.

As transições são incômodas, bem sei. É a mudança recém-feita, são as caixas espalhadas pela sala, o reboco ainda úmido, o aviso de “não toque, tinta fresca” no corrimão. É justamente nesses momentos que podemos escolher uma nova rota, uma nova rua pra chegar ao mesmo destino, um caminho diferente pra lidar com um antigo sintoma.

Na transição somos obrigados a fazer novas redes sinápticas, novas rotas gastronômicas e reconfigurações necessárias à sobrevivência da espécie. Darwin. Somos todos sobreviventes das transições: não dos fins ou dos inícios, mas dos meios. Se sobrevivemos aos infinitos “meios” que a vida nos proporcionou até hoje, é bem provável que toleremos as demais esperas, os demais fins, e assim teremos forças para os inícios, resplandecentes por si só. Bem-ditas sejam as pontes, benditos sejam os momentos em suspenso, bem-vindo o “ainda-não” que a vida impõe. Porque é justamente aí que podemos re-nascer.

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“Racismo é baixa inteligência e falta de caráter”, por Leandro Karnal

Neste vídeo, o professor Leandro Karnal discorre sobre o atual modelo de “barbárie e civilização”, discorrendo sobre o fundamentalismo e a forma como agem os novos bárbaros.

O racismo, segundo ele, é a um só tempo um problema patológico somado à baixa inteligência e a falta de caráter.

A extinção da solidão

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(post enviado pelo leitor GABRIEL AFFATATO)

Solidão. Palavra pesada, conceito amplo, um temor quase que unânime. No final das contas o ser humano alcançou a poética contradição de ampliar as fronteiras da individualidade na mesma medida em que as enfraqueceu. Temos todas as ferramentas necessárias para vivermos em paz, de forma única e isolada. Mesmo assim, conseguir estar sozinho tornou-se um desafio.

Foi-nos dada a possibilidade de ampliar as nossas relações. Expandimos o mundo, as chances, as necessidades. A vida é fascinante, brilha como um letreiro neon em uma noite escura. Ligaram o mundo e agora ele funciona sempre. A internet pega fogo e as redes sociais saem por aí, zunindo e riscando o céu como fogos de artifício coloridos. Nós apenas ficamos parados, sentados na grama, observando tudo com os nossos redondos olhos de criança, admirados com tudo que aí está.

Aumentar as possibilidades de um jeito tão intenso pode ter seu preço. De repente nos são dadas inúmeras chances que, naturalmente, acabam se convertendo em responsabilidades, desafios. Antigamente havia mais espaço para o indivíduo se sentar à beira de uma calçada em uma tarde preguiçosa, acender um cigarro à luz do sol e ficar parado, sem fazer nada. Quando indagado sobre os projetos da vida ele apenas respondia que nada poderia ser feito a respeito. Hoje não há mais desculpas. Podemos ser dinâmicos, produtivos e criativos. Justamente, esse poder que paira nos horizontes acaba nos tirando as forças, uma vez que nos é exposto o melancólico fato de que fracassamos também porque não somos bons o suficiente para realizar algo.

Diariamente nos é dada a chance de militarmos politicamente no Facebook, debater e defender ideais, formar opiniões, conhecer novas pessoas, trocar sensações, procurar pelo amor e perdê-lo, sentir-se acolhido e ao mesmo tempo excluído. Blogs, vlogs, notícias, vídeos. Motivos para chorar, motivos para rir, imagens lindas, fotos toscas. Uma irresistível vontade de fazer parte de tudo e se lançar para o universo com todos os propósitos possíveis, só que, no meio disso tudo, somos sufocado por esse furacão de informações e acabamos caindo no chão de tão tontos, sem ao menos conseguir saber quem somos e o que queremos fazer.

Socialmente falando, as obrigações aumentam. As amizades se estendem para além do encontro físico e são simplificadas, sintetizadas e espalhadas em doses homeopáticas para o dia inteiro. Os encontros cada vez mais instantâneos nos deixam cada vez mais alerta. Somos obrigados a dar retorno, em existir, em estar presente quase que sempre. E no final das contas, conseguimos encontrar no fundo disso tudo uma obrigação que se sustenta a partir de uma tônica que permeia nossa existência quase que diariamente: afinal, estamos sozinhos, ou não?

Há um medo de se perder por aí, em meio a um rodízio de sonhos e de esperanças que desaparecem com a mesma velocidade com que surgem. Afinal, o quanto o nosso dia muda com uma mensagem visualizada e não respondida? Pequenas doses de stress que vão se somando e nos tirando o foco e que, no final das contas, nos proíbem de sentarmos e conversarmos com nós mesmos. O silêncio torna-se raro em um cotidiano em que a cada minuto eu posso ser alertado com um assobio de whatsapp.

Justamente, sem o silêncio não nos ouvimos. Sem o isolamento, sem preciosos instantes de existência, não nos enxergamos. O mundo anda ao nosso lado o tempo todo e fala, fala, fala. Nunca se cala! O espaço para respirarmos e escutarmos a nós mesmo esta cada vez menor. Detalhe: tal espaço, de fato, não diminuiu por conta de alguma imposição externa que nos obrigue a ficar conectados o tempo inteiro, mas sim a partir de um estado de sítio implantado no nosso ritmo interno.

Ocorre que nos foi dada um padrão de intensidade que, no final das contas, se converteu em ansiedade. Perdemos o costume de ficarmos sozinhos, porque vimos que as pessoas estão ao nosso redor e é fácil estar com elas. Porém, o distanciamento posterior acaba se tornando um desafio. Como aceitar a não comunicação. ‘Como assim, passar um dia inteiro sem falar com ninguém?’ Como se houvesse um medo interior que nos impedisse de ‘desperdiçar’ esse monstruoso aparato de interações. E então, a solidão nos remete à melancolia, a inatividade nos remete à inutilidade e nossa liberdade acaba nos aprisionando.

A extinção da solidão

O que aprendi após seis meses de terapia

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Eu sempre soube que precisava de um acompanhamento terapêutico. Depressão, crise de identidade e ansiedade sempre fizeram parte da minha vida e algo em mim parecia estar desajustado. Lá no fundo eu sabia que ter a opinião imparcial e conselhos de uma pessoa de fora dos meus círculos de relacionamentos abriria meus olhos para encontrar as soluções para os problemas que passava.

Contudo eu demorei para iniciar um acompanhamento psicoterapêutico. Primeiro por que precisava ser independente financeiramente já que, em sua maioria, as sessões são caras. Em segundo lugar, havia algo em mim que dizia que iniciar esse tipo de tratamento seria como desistir, erguer a bandeira branca, perder a guerra.

Um preconceito que não poderia estar mais errado.

Depressão e outros problemas associados à psique humana ainda são um tabu na nossa sociedade. As pessoas preferem varrer para baixo do tapete suas angústias a admitirem publicamente que necessitam de ajuda profissional. Mas ignorar um problema não o torna inexistente. A busca por esse tipo de ajuda profissional demonstra maturidade e uma atitude positiva na busca pelas soluções. Iniciar um tratamento terapêutico é colocar o dedo na ferida, escancarar a sua vida para uma pessoa que você não conhece e iluminar cantos de uma alma que já se acostumou com a escuridão.

Naquele dia cheguei pontualmente e logo fui atendido. Minha terapeuta já me aguardava e meu processo de desconstrução começou ao entrarmos na sala. Não havia o famoso divã. Apenas nos sentamos em duas poltronas, um de frente para o outro, e ela me perguntou: “O que te traz aqui?”

Só sei que desde aquele dia eu não parei mais de falar. O que me levava ali? Eram tantas coisas! Assuntos da infância, pré-adolescência, juventude, coisas da semana passada, do dia anterior… Eram assuntos sobre amizades, relacionamentos, autoestima, família, um leque de categorias. Conversamos até mesmo sobre assuntos que nem passavam por minha cabeça de se tornarem pauta.

E as nossas conversas nunca mais pararam, sempre iniciadas pela sentença “O que te traz aqui?”.

Seis meses ainda é muito pouco tempo. Ainda avanço devagar, a passos de criança, mas o quanto amadureci e o quanto me conheci nesses últimos meses compensaram todo o tempo em que sofria em silêncio e sozinho.

Admitir que precisamos de ajuda não é um fracasso.

Se você sente dor de estômago sua busca por uma cura é procurar um gastro. Se seu dente está doendo não é de se estranhar que você busque por um dentista. E o que fazer quando a alma vai mal? Quando os sentimentos estão à flor da pele, gritando e sangrando, também precisamos de ajuda profissional. Não há nada de errado em admitir que algo não vai bem. Esse gemido interior não passará por encanto. Problemas envolvendo nosso psicológico devem ser tratados como qualquer outra doença e isso pode envolve consultas, remédios (ou não), idas e vindas, retornos e atestados. E, mais do que isso, se ao buscarmos um médico especializado em outra área nos sentimos bem, por que ir a um terapeuta seria algo ruim? Não veja como fracasso os passos de vitória que você dá.

Muitas vezes maximizamos os nossos sentimentos e perdemos a real visão da situação.

De minha visão limitada, todos os meus problemas parecem grande demais, difíceis demais. O terapeuta olha para a sua vida como um leitor lê um livro. Ele vê de fora, sua opinião é imparcial. Exatamente por isso ele pode apresentar para você uma nova perspectiva, ele pode tentar direcionar seu foco para o outro lado da moeda, aquele que você não conseguia encontrar.

Seus sentimentos são legítimos. Cada um sabe aonde dói e nunca podemos dizer que alguém está exagerando. Mas é comum perdemos o foco no turbilhão de problemas e vestirmos uma posição passiva na hora de resolvê-los. A grande chave do psicoterapeuta é te ajudar a olhar para cima, levantar do chão e buscar as soluções.

Quanto mais cedo procurarmos por ajuda, melhor.

O que importa é buscar a ajuda, sim. Porém, assim como qualquer outra doença, quando mais cedo isso acontecer menos a sua visão sobre a situação estará distorcida. Quanto mais tempo demorar para admitir que você precisa de ajuda pior a situação ficará. Logo, o tratamento será mais longo e mais caro. Se procurarmos ajuda mais cedo é bem mais simples e menos traumático.

Eu sou responsável pelas minhas escolhas e por lidar com as consequências delas.

E, mais do que responsável, eu sou capaz de lidar com as minhas decisões. As escolhas que eu faço em minha vida cabem a mim, e somente a mim. Um terapeuta não irá dizer o que você deve fazer, ele o aconselhará. Ele irá te ajudar a entender que as pessoas ao seu redor podem te influenciar, mas não podem te dominar. Isso foi um passo muito importante em meu processo de cura. É comum chegar em uma sessão descarregando amargura ou queixas sobre alguém sendo que, em muitas vezes, o problema está em nós.

Todos temos questões mal resolvidas. Essas questões puxam outras questões durante a nossa vida e no final temos uma bola de neve. Sempre há um motivo que possa nos levar à uma sessão de terapia. Em alguns casos essa necessidade é menor, em outros é essencial para termos qualidade de vida.

Após iniciar o meu tratamento psicoterapêutico percebi que seria possível restaurar as ruínas da minha vida, bloco por bloco, passo por passo. Esse processo é lento e pode durar meses… anos. Mas valerá a pena. Assim como outros tratamentos em nosso corpo, os resultados vão aparecendo e a cada vitória você se sente estimulado a continuar, a caminhar mais uma milha.

Eu precisava de ajuda. Busquei essa ajuda. Hoje sei quem eu sou e como devo lidar com as muitas faces da minha identidade. Se você, assim como eu, se vê em uma situação sem saída e querendo ter alguém para conversar, deixe o preconceito de lado e procure ajuda de um profissional que está apto para te ouvir, consolar e orientar.

* Acho importante ressaltar que esse texto foi escrito por um paciente. O relato é feito por uma visão não clínica e que cada caso é um caso. 😉

© obvious: http://obviousmag.org/vamos_falar_sobre_isso/2015/o-que-aprendi-apos-seis-meses-de-terapia.html#ixzz3rTUNtPQ6

Felicidade não faz barulho

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Não falta nada, tudo está aqui.
Os livros na estante, os pneus dos carros fazendo barulho na estrada enquanto chove, o solo da guitarra naquele rock clássico, as estrelas no céu, o pão na torradeira, até mesmo o clima de verão já chegou, veja só que dádiva!
O amor está no peito, o sorriso nos lábios, nem sempre, só quando dá vontade. O coração permanece batendo no compasso, o preto e branco de certo dias, o brilho inconfundível de outros e as manhãs independentemente de qualquer coisa, carregadas de um ar não-sei-de-quê, que nos encoraja sempre ao recomeço.
A ferrugem no fusca velho estacionado na esquina, o blues da sexta-feira, a manga arremangada na hora de preparar o rango, o esmalte vermelho pela metade nas unhas, o caos da cidade grande, a simplicidade do interior amado, o pôr do sol de cada dia em qualquer lugar do mundo, em resumo: tudo em seu devido lugar e ordem, e supostamente, nada faltando.
O que nos falta é cessar com essa nossa mania de achar que alguma coisa sempre está faltando, de desconfiar que alguma coisa está errada quando tudo caminha silenciosamente bem, de não aceitar a neutralidade dos dias, dos sentimentos, das pessoas, da tristeza, da alegria, porque tudo conta, tudo é válido, tudo é como é por sua lei natural e cada uma destas coisas acontecem, com ou sem nossa percepção, e sempre irão acontecer, sendo assim, inquestionavelmente nota-se que aprender a conviver com elas é o mais indicado.
Mas sobre o que nos falta, posso citar algumas linhas: a humildade para compreendermos e aceitarmos que certas situações, alias, muitas delas, fogem do nosso comando, não dependem exclusivamente de nós, mas que fazer nossa parte e manter a mente tranquila a respeito dessa verdade é inevitável.
Falta-nos a compreensão de que o rio flui, e nós também.
Falta-nos a percepção de que somos parte de um todo e que esse todo é um complexo e intenso fluxo que circunda cada um de nós independente da nossa crença sobre ele ou não.
Sobretudo, de todas essas coisas que nos faltam, outras mil presentes em nós nos compensam, porque o amor sempre é maior, e o que seriam nossas atitudes se não amor? Erramos na tentativa de acertar, perdoamos a nós e a outrem por no fundo acreditarmos na boa intenção e no bom senso. Proporcionamos novas chances para os deslizes nossos de cada dia, para os vexames alheios, porque sabemos que visivelmente ou não, somos todos amor e nada mais.

Concluo com um pequeno detalhe que nos falta: compreender que nada nos falta. Entender que felicidade não é algo que chega, que vem, que aparece. Não é uma recompensa, não é uma meta de vida. Felicidade está sempre aqui, nasceu no mesmo dia e hora que você, habita teu corpo desde o teu primeiro momento neste mundo, bem como o amor.
Mas não espere que ela grite, cause cena e faça constante barulho de euforia, porque a felicidade, bem como o amor, é faísca, e faísca não faz barulho.

(Kamila Behling)

http://www.hierophant.com.br/arcano/posts/view/100002414141919/3001

Tua mensagem chegou em boa hora…

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Algo não estava bem. Quando isto acontece, você só pensa que precisa dividir o que está contigo. É o choro contido, a fúria que esbraveja, a indignação, o nó na garganta. Você só precisa desabafar, precisa de alguém que lhe junte meia dúzia de palavras, que lhe acalme, que lhe ouça como nem você tem feito, que lhe chacoalhe, que lhe receba.


Aquela notícia chegou. Tão esperada. E você precisa compartilhar e mostrar o quanto está satisfeito com isso. Então, você faz a sua primeira ligação e conta como está em feliz com esta notícia. Do outro lado, um outro coração vibra e de alguma forma, você se sente satisfeito por ter alguém ali do outro lado.


Ele estava me contando sobre a sensação de seu mundo ruir em minutos, de quanto se sentia perdido diante daquilo. Eu só pude escutá-lo. E eu não pude deixar de me preocupar com ele. O momento já não era só dele.


Em quem você pensa nestas horas? Pra quem vão seus pensamentos? Quem te faz pegar o telefone, escrever a mensagem? Quando as coisas se engrandecem ou quando as coisas desmoronam, é nesta pessoa que moram nossas verdadeiras conexões. São os momentos de ápice do nosso mundo que nos trazem sinais reveladores.

“Não é o tempo nem a oportunidade que determinam a intimidade, é só a disposição. Sete anos seriam insuficientes para algumas pessoas se conhecerem, e sete dias são mais que suficientes para outras.” Jane Austen, Razão e Sensibilidade

Há muito tempo, já havia lido outras pessoas relatarem sobre esta sensação em que temos a necessidade de falar, contar, dividir algo importante com alguém. Já me vi nesta situação. Não importa se esta pessoa será sempre a mesma. Se este sentimento é romântico, fraternal ou genuíno. O que importa é que é essencial. Uma conexão emocional, a cumplicidade que não pensa em recompensa, mas quer o bem um do outro tanto quanto o seu próprio bem. Onde a intensidade se sobrepõe a qualquer duração que se venha a ter.

É o ombro e a franqueza do amigo, o olhar incondicional de uma mãe, o abraço de um irmão, o afago daquele que se ama e se acorda ao lado. Não se pode estabelecer. É apenas essencial que tenhamos alguém que ocupe este lugar ali.

“That’s what people do who love you. They put their arms around you and love you when you’re not so lovable.” Deb Caletti

A verdadeira intimidade acontece entre duas pessoas que vencem o medo de se mostrarem emocionalmente como são.

Devemos escutar verdadeiramente o outro para o compreender e não para responder. Mas, na figura daquele que precisa ser ouvido, à medida que libertamos nossas próprias palavras, damos vazão a tudo que estava preso conosco, como se abríssemos a gaiola de nossos pensamentos. Nunca podemos deixar que nossa razão aprisione nossas palavras. A palavra opera milagres sobre si mesma.

“Words are events, they do things, change things. They transform both speaker and hearer; they feed energy back and forth and amplify it. They feed understanding or emotion back and forth and amplify it.” Ursula K. Le Guin

Para Ed Diener, professor de psicologia da Universidade de Illinois, os amigos nos dão um senso de identidade — ajudam a nos tornar algo maior do que nós mesmos e a definir quem somos. Não precisamos somente de relações humanas. Precisamos de amigos muito próximos, diz ele.

A razão da nossa existência passa pelos laços afetivos que asseguram a nossa alegria. É isso que nos preenche. Onde possamos parecer ridículos sem medo, onde tenhamos nossas lealdades não ditas e que transformam a simplicidade corriqueira das coisas que nos cercam.

“Sem humildade e coragem não há amor. Essas duas qualidades são exigidas, em escalas enormes e contínuas, quando se ingressa numa terra inexplorada e não-mapeada. É a esse o território que o amor conduz ao se instalar entre dois ou mais seres humanos.” Zygmunt Bauman, Amor Líquido

Em tempos líquidos, que sentimentos escorrem pelos dedos e podem ser desconstruídos a qualquer momento, em que a tolerância está por um fio, o respeito mútuo é escasso, uma maior sensibilidade nos deve ser requerida para um olhar sobre nossas relações. Precisamos nos cercar de pessoas que nos dêem um senso de identidade, que nos ajudem a definir quem somos, que nos façam encontrar o propósito na vida como um diferencial. Temos que contemplar a simplicidade das coisas em busca de detalhes significativos. As coisas banais, que passam despercebidas, podem gerar uma nova postura diante da vida.

Onde estamos colocando nossa atenção?

“Você não vai entender o que quero dizer agora, mas um dia entenderá: o segredo da amizade, eu acho, é encontrar pessoas que são melhores do que você, não mais espertas, não mais frias, mas amáveis e mais generosas, e mais indulgentes — e você apreciará o que elas podem lhe ensinar, e tentará ouví-las quando elas lhe disserem algo sobre si mesmas, não importa o quão ruim, ou bom que seja, e você confiará nelas, que é a coisa mais difícil de todas. Mas, a melhor também.” Hanya Yanagihara, A Little Life (book)

Damos uma importância enorme a coisa fugazes, ao erotismo, ao romantismo, às conquistas materiais, ao nosso ego que quer ser massageado, a nossa imagem no espelho. Algumas destas realmente merecem atenção, por que não? Mas, elas não são o fim em si mesmas.

A vida é um voo de longa distância e cada um faz a escolha do destino a que se quer chegar.

Não nos desleixemos das nossas relações. Não deixemos que se perca o aconchego que podemos trazer às nossas vidas e de outros. Saibamos entender o que querem dizer nossos impulsos, ao clamar por aquela pessoa que você mais gostaria que estivesse ali a te ouvir num momento crucial.

Tenho pensado que acreditamos que algumas relações estão cristalizadas e que assim que nos encontrarmos de novo, bastará a citação de um velho acontecimento, aquela piada interna, e tudo será reconhecimento. Mas, não devemos esquecer: não podemos descuidar delas.

Muitas relações de ocasião surgem nos nossos dias, no cotidiano, na correria dos nossos compromissos. E sim, essas relações também tem seu papel no meio dessa seriedade do dia-a-dia. Mas, não nos descuidemos daqueles que tem nossa ocasião mais sublime, que nem sempre podem estar conosco, mas que são aqueles que nossa alma clama no primeiro perrengue. Por isso, não nos descuidemos.

“We’ll go where it’s always spring ; The band is playing our song again; And all the world is green” — Tom Waits, song: All The World Is Green (pela melhor música de pirata que já ouvi nos meus dias)

P.S.: Obrigada por ler até aqui! Se você achou válido, clique no íconeRecomendo. Se não curtiu, quer contar a sua história ou tem um ponto de vista diferente, deixe sua mensagem e vamos conversar:  https://medium.com/@luci_inthesky_/tua-mensagem-chegou-em-boa-hora-e552234e11bb#.k4fi2ph1m

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Tchau, passado

Por mariliz pereira jorge

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Parece que foram umas 150 caixas. Minha vida em 150 caixas. Mudar de casa é fazer terapia intensiva e forçada. Sem ninguém sentado em frente, ao lado ou atrás para dizer que não é o fim do mundo, mesmo que pareça ser.

Não é o fim do mundo, mas é virar mais uma página da vida. A gente não fecha só a porta, mas também um ciclo. Deixa para trás um punhado de roupas datadas, sapatos velhos, panelas gastas, móveis surrados, guarda-chuvas quebrados e uma mala de emoções. Deixa também um pouco do que a gente não é mais.

Em cada armário desfeito uma sessão de tortura. Em cada caixa aberta uma sessão de vergonha. Em cada prateleira vazia uma sessão de descarrego. Em cada gaveta vasculhada uma nostalgia da boa.

E chora. E ri. E tem saudade. E sente alívio. E fica triste. Depois feliz de novo. E o estômago embrulha. E desembrulha.

Quando a gente muda de casa não engole só pó. Engole todos os erros e tropeços em fotografias antigas, cartas de amores falidos, roupas equivocadas, livros não lidos, objetos desnecessários, equipamentos que não funcionam mais.

Deixa para trás um punhado de lembranças boas, de tempos que não voltam mais, ainda que os novos tempos produzam mais lembranças que serão felizes no próximo futuro.

Ainda ontem eu morava sozinha. Mas quem padecia de solidão era a geladeira. Tinha água com gás, iogurte, gelo e cerveja. Um fogão italiano que brilhava como novo por falta de uso. Uma TV que estava sempre desligada. Uma cama onde eu dormia pouco e me divertia muito.

Eu era solteira, era feliz e sabia disso. Mas também sabia que um dia aquela casa não seria mais minha e nem aquela vida.

Ainda ontem, eu já não era apenas mais eu. A gente se apertava na cozinha pequena, fazia maratona de série de TV, comia sorvete no inverno, brigava pela mesa do escritório, dormia agarrado –socorro, acordava com o vento uivando, viajava sem parar. As plantas sempre morriam.

Com essa mudança vem nossa coleção de action figures, 20 caixas de utensílios de cozinha, uma girafa da Tailândia, outra de Jericoacoara, duas bicicletas, dois computadores, trocentos livros, trocentas revistas em quadrinhos, quadros, quadros, quadros.

Mais importante de tudo: nessa mudança de casa vem um casamento sólido, feito de muita trombada, muita paciência, uma tonelada de amor e amizade.

‘A gente’ foi a melhor coisa da minha vida nos últimos anos e na última casa. Passei a conjugar ‘a gente’ 24 horas por dia e nunca fui tão feliz.

Na nova casa, sinto como se estivesse no primeiro dia de um trabalho novo. Não sei onde fica a impressora, a máquina de café, se os vizinhos de baia são fofoqueiros, se tem um restaurante por quilo decente, se consigo uma manicure boa por perto.

Sinto como se fosse uma estranha fazendo uma visita. Nas primeiras noites acordei sem saber onde estava, tive que acender a luz do celular para achar o banheiro, dei cinco topadas nos armários até chegar lá.

Levei um banho da torneira da pia, não sei onde acendem as luzes, paguei peitinho e bundinha para geral na vizinhança, coloquei o lixo comum junto com o reciclado, derrubei água na varanda da vizinha, que já me odeia, mas fiz amizade com o porteiro, que é o que realmente importa.

Mudar de casa não é apenas levar suas coisas de um lugar para o outro. A gente tem que desencaixotar as bugigangas e também as emoções. Só vira casa quando nossos velhos cacarecos parecem à vontade com essas paredes pintadas e esse chão novinho. Quando o sono começa a dormir sem sustos. Quando a gente vai ao banheiro à noite sem tropeçar no escuro. Quando a gente olha mais para frente do que para trás.

Fica mais fácil mudar de casa quando a gente está pronto para mudar também.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marilizpereirajorge/2015/10/1700048-tchau-passado.shtml?cmpid=fb-uolmul